top of page

A letter to latin immigrants
Pt abaixo

The other day, I sat in the middle of a square in Oslo. It was already -2 degrees, and the ground was frozen. I looked around, observed the behavior of those passing by, and started to think that the people I could most identify with in that square were a group of drug dealers selling hashish to men of all ages who stopped by there.

...

 

I’ve been listening a lot to Bad Bunny’s new album, DtMF, and I keep wondering when it was that I decided that living so far away would be a decent choice for someone who loves their homeland so much. Or is it that, when you leave Brazil, you actually start to love your place even more? I don’t remember the order of things anymore.

I started trying to understand who I was in the world, as a Brazilian and as Luiza, as a mixed-breed dog, the daughter of a gaucho and a mineira, born in the dry land of the capital. The daughter of militants and immigrants, I think the fight for belonging and trying to make a better world was passed down in my blood. After five years of living and walking through Europe, I decided, for real, to stay here, and I believe that telling someone I decided not to return to Brazil always comes with a huge lump in my throat.

 

...

 

When I arrived on the old continent, it took me about eight months to start making new friends. For a while, I was completely angry — a feeling that, in fact, never goes away. I was angry for having left my friends, my brothers and nieces, my parents, and my pregnant sister behind. When you arrive in Europe, you could be surrounded by a thousand people, but you always feel alone, until you start finding new sisters along the way. It takes time to soften the anger.

You start to miss the most ordinary things, to value small conversations, little smiles, small fights, and even small crimes. Over time, you end up liking the things you hated when you lived in Brazil.

I’ve always been a person with a quiet voice, who didn’t like public displays of affection because of a traditional, 100% Brazilian, and completely chaotic family. A part of me always wanted to escape that. After a while, though, you start to appreciate those things, you know? The mess is missed, oh yes, it is.

The last time I went to Brazil, I went to a risca-faca (a street-gig) in Vila Planalto, in the middle of the Federal District. A guy on a motorcycle passed by honking at me and said, “I’m in love with you.” I laughed. Jady, a friend from Brasília and also a traveler, said, “In Europe, that doesn’t happen, right, friend?” I replied, “No, but I loved it. I was missing this. Now I feel prettier.” We laughed.

There’s a Brazilian way of being completely spontaneous in every possible form — from the most heinous to the most helpful and sweet — and, in a way, one thing is linked to the other.

When you leave Brazil for Europe and end up meeting other Latin Americans along the way, you notice the similarities in spontaneous behavior: loud laughter and the habit of hitting while talking. Someone who understands what the word “pão de queijo” means, but also the importance of rice and beans every day, the mango that tastes like a tropical country. Wow, how I miss real mango.

 

...

 

Latin America is a huge piece of land that was, yes, colonized 500 years ago, but that still suffers, over the years, from bribery, invasions, kidnappings, and thefts, not to mention the effects of slavery and the lack of affection derived from it. Our lands may no longer be invaded by thousands of Europeans armed with weapons, but now they come armed with money and companies to finish their neocolonial work, with the help of dirty North American financing.

 

...

 

The other day, someone told me, “Luiza, here in Norway, to get funding for your project, you need someone with a Norwegian name to write for you.” Damn… that hurt.

It’s that, walking through Europe, you realize how europeans still want to be Latin America and Afro-Latin, even with all their spotlight and conveniences. They use (steal) our music, our books, our art, our clothes, but they get annoyed by our laughter, our sounds, our dances, and our names. I know, I know. Even though they want everything that’s ours, it must be hard to not have "el sazón, batería y reggaetón." But that’s only ours.

Our way of loving, our intensity in dancing, feeling, and laughing is Latin American. They love to say that we are toxic, but we don’t care, and not caring made me walk free. Not caring made me appreciate our encounters, our humor, and our affection.

We are the center.


PT

 

Outro dia, sentei no meio de uma praça em Oslo. Já fazia -2 graus, e o chão estava congelado. Olhei ao redor, observava o comportamento de quem passava e comecei a pensar que as pessoas com quem eu mais poderia me identificar naquela praça eram um grupo de traficantes vendendo haxixe para homens de todas as idades que paravam por ali.

...

Tenho ouvido bastante o novo álbum do Bad Bunny, DtMF, e fico me questionando quando foi que decidi que viver tão longe seria uma escolha decente para alguém que ama tanto sua terra de origem. Ou será que, quando você sai do Brasil, na verdade, começa a amar ainda mais seu lugar? Não lembro mais a ordem das coisas.

Comecei a tentar entender quem eu era no mundo, como brasileira e como Luiza, como cadela mestiça, filha de gaúcho com mineira, nascida na terra seca da capital. Filha de militantes e imigrantes, acho que foi passado no sangue a luta por pertencimento e por tentar fazer um mundo melhor. Depois de cinco anos vivendo e caminhando pela Europa, decidi, de fato, ficar por aqui, e acredito que dizer para alguém que decidi não voltar para o Brasil sempre vem acompanhado de um nó enorme na garganta.

...

 

Quando cheguei ao velho continente, demorei cerca de oito meses para começar a fazer novas amizades. Por um tempo, fiquei completamente raivosa — um sentimento que, na verdade, nunca passa. Eu tinha raiva de ter deixado minhas amigas, meus irmãos e sobrinhas, meus pais e minha irmã grávida para trás. Quando você chega à Europa, pode estar rodeada de mil pessoas, mas sempre se sente sozinha, até que começa a encontrar novas irmãs pelo caminho. Leva tempo para amolecer a raiva.

Você passa a sentir saudade de coisas tão ordinárias, a dar valor a pequenas conversas, pequenos sorrisos, pequenas brigas e até pequenos delitos. Com o tempo, acaba gostando daquilo que odiava quando morava no Brasil.

Sempre fui uma pessoa de voz baixa, que não gostava de demonstrações de afeto em espaços públicos por conta de uma família tradicional, 100% brasileira e completamente barraqueira. Um lado meu sempre quis fugir disso. Depois de um tempo, você passa a apreciar essas coisas, sabe? A bagunça faz falta, ô se faz.

A última vez que fui ao Brasil, fui a um risca-faca na Vila Planalto, no meio do DF. Um moço numa moto passou buzinando para mim e falou: "Eu tô apaixonado". Eu ri. A Jady, uma amiga de Brasília e também caminhante, falou: "Na Europa não tem isso, né, amiga?" E eu respondi: "Não, mas eu amei. Eu tava com saudade disso. Agora me sinto mais bonita." Rimos.

Existe um jeito brasileiro de ser completamente espontâneo em todas as formas possíveis — das mais hediondas às mais prestativas — e, de certa forma, uma coisa está ligada à outra.

Quando você sai do Brasil para a Europa e acaba encontrando outros latino-americanos pelo caminho, percebe a semelhança no comportamento espontâneo: risadas altas e a mania de bater enquanto fala. Alguém que entende o que a palavra "pão de queijo" significa, mas também a importância do arroz com feijão diariamente, a manga com gosto de país tropical. Nossa, como sinto falta de manga de verdade.

 

...

A América Latina é um pedaço enorme de terra que foi, sim, colonizado há 500 anos, mas que ainda sofre, ao longo dos anos, subornos, invasões, sequestros e roubos, sem nem comentar do reflexo da escravidão e da falta de afetos derivados disso. Nossas terras podem não ser mais invadidas por milhares de europeus munidos de armas, mas agora eles vêm munidos de dinheiro e empresas para terminar seu trabalho neocolonialista, com a ajuda de um financiamento sujo norte-americano.
 

 

Outro dia, me falaram: "Luiza, aqui na Noruega, para conseguir financiamento pro seu projeto, você precisa de alguém com nome norueguês para escrever por você." Porra... isso doeu.

É que, caminhando pela Europa, você percebe como eles ainda querem ser a América Latina e Afro-Latina, mesmo com todo o seu destaque e facilidades. Usam (roubam) nossa música, nossos livros, nossa arte, nossas roupas, mas se incomodam com nossa risada, com nossos sons, nossas danças e nosso nome. Eu sei, eu sei. Apesar de quererem tudo que é nosso, deve ser difícil não ter "el sazón, batería y reggaetón". Mas isso é só nosso.

Nossa forma de amor, nossa intensidade em dançar, sentir e rir é latino-americana. Eles adoram falar que somos tóxicos, mas a gente não liga, e não ligar me fez caminhar livre. Não ligar me fez apreciar nossos encontros, nosso humor e nosso afeto.


A gente é o centro.

  • Instagram - Cinza Círculo
  • Facebook Clean Grey
  • YouTube - Círculo Branco
bottom of page